O Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin (CBPC) dá prosseguimento à série mensal de matérias que trarão ao público traduções inéditas de escritos de Pierre de Coubertin. De abril de 2025 a março de 2026, vários textos serão traduzidos para o português, resgatando o legado do fundador do Movimento Olímpico para as novas gerações de leitores e entusiastas do esporte.
Durante o mês de dezembro de 2025, uma série especial de três textos apresentará ao público o lado “natalino” de Coubertin, relacionado com os valores do esporte. O segundo texto da série especial é “LES RÉFLEXIOS DU BONHOMME NOËL”, publicado na Revue Olympique em dezembro de 1911.
As Reflexões do Bom Velhinho
O bom velhinho não é muito esportivo… Faz anos e mais anos que ele carrega brinquedos. No entanto, os brinquedos esportivos mais recentes são, aos seus olhos, uma das formas do modernismo. E vocês não esperam dele que seja modernista, não é mesmo? No ano passado, vimos o Bom Velhinho separando dois esquiadores que estavam brigando. Ele conseguiu fazer isso porque sabe de tudo… ou quase tudo… por ser o Bom Velhinho. Mas ele não tem muito apreço por isso. Não! Os esportes dizem muito menos a ele do que um trem de brinquedo desmontável ou um teatro de marionetes.
Por isso, em 1911, ele resmungou um pouco ao perceber que seus pequenos amigos pareciam pensar de forma diferente, já que o número de itens esportivos no Natal daquele ano aumentou consideravelmente em relação ao ano anterior. Havia de tudo, na verdade: aviões em miniatura, bicicletas reais, bolas de futebol grandes e pequenas, patins, até esquis longos e pesados, rifles e floretes com máscaras… Certamente, ele achava um exagero, e dizia consigo mesmo: ‘Isso não vai durar, essa febre’.
E lá estava ele, indo de casa em casa, cumprindo seu trabalho com precisão, rápido e sem falhas. Na frente de uma linda lareira de criança, ele deixava um conjunto completo de equipamentos de cavaleiro: uma calça de tecido fino, leggings de couro dourado com correias, esporas de níquel e um bastão com pompons de prata. Ele suspirava, dizendo: ‘Não há mais crianças, minha palavra!’ Como poderia não montar orgulhosamente a cavalo com tal equipamento? Quando estava prestes a partir, já culpando a fraqueza da mãe em seu íntimo, o Bom Velhinho percebeu que ainda havia algo para aquela casa. Era uma raquete de tênis com um número de prata, cuidadosamente fabricada. Mas essa raquete certamente não era para uma criança; seu peso não parecia compatível com a força juvenil, e para segurar aquele cabo robusto seria preciso uma grande mão de adulto. Então, o que significava isso? O pai recebendo o presente do filho? Que situação!
O Bom Velhinho, sentado na sala um pouco desordenada, como se tivesse acabado de sair de uma noite de celebração, olhava para o objeto em suas mãos. Mas não havia o que dizer. O Bom Velhinho estava em serviço, ele devia obedecer. Então, abriu uma porta e entrou no quarto ao lado, onde dormia um homem de uns trinta e cinco anos. Era para ele, a raquete. E na frente da lareira, o dorminhoco havia deixado seus grandes sapatos de caça, que indicavam aventuras em trilhas profundas ou em florestas úmidas, com grandes fornecimentos de apetite e saúde. Certamente não era a primeira vez que o Bom Velhinho entregava presentes para adultos. Embora fosse contra esse tipo de mimo, geralmente ele o fazia com boa vontade e, com um sorriso irônico, deixava os presentes na lareira. Mas desta vez, parecia um pouco demais. O pequeno recebia o presente sério, enquanto o pai ficava com o brinquedo. Para o Bom Velhinho, uma raquete é um brinquedo, pois serve para brincar, enquanto esporas são algo sério, pois servem para fazer o cavalo galopar. Onde vamos parar? Meu Deus! Onde vamos?
Naquela noite, por acaso, o Bom Velhinho não estava atrasado. Depois de entrar na sala, ele se sentou em um pufe e se entregou aos seus pensamentos. Ele então viu a juventude. Viu-a de duas formas: a de uma pequena menina sorridente e de cachos, com um boné de marinheiro, e a de um homem grande e forte, ágil e alegre, com os mesmos olhos sorridentes e, além disso, um lindo bigode loiro. De repente, ele entendeu que esses dois seres, que vinham de tempos distintos, podiam, por meio do jogo, se encontrar na mesma sintonia e vibrar juntos. Ele se perguntou se isso era bom ou ruim.
O Bom Velhinho é muito cuidadoso. Quando se faz essa pergunta, ele não deixa seus preconceitos influenciar sua resposta. Ele examina tudo com justiça, pesando os prós e contras, e conclui honestamente de acordo com o que seu bom senso lhe diz. Bem, ele pensou, não há dúvida de que é uma boa coisa. No passado, os pais tentavam manter uma barreira clara entre eles e os filhos, imaginando que isso lhes dava mais prestígio e dignidade. Mas com isso, a confiança e a verdadeira amizade, que também incluíam respeito genuíno, quase não existiam. E o resultado era que as duas gerações seguiam suas vidas como se estivessem em paralelismo, sem se ver ou se entender. As ideias dos pequenos e dos grandes não podem naturalmente se alinhar, pois as bagagens de experiência são bem diferentes. Mas o esporte é algo que permanece igual para ambos. Jogo de músculos, busca de habilidade, gasto de energia, sensação de agilidade — tanto o pequeno quanto o grande sentem os benefícios do esporte da mesma forma. E para ambos, o efeito do esporte é saudável, claro e viril.
Isso cria um belo vínculo entre pai e filho. E esse vínculo certamente não faz mal ao filho e faz um bem enorme ao pai. O Bom Velhinho balançou a cabeça. Nunca havia pensado sobre o problema sob esse ponto de vista, o que o fez ficar pensativo. Ele teve que admitir que os brinquedos esportivos têm suas qualidades e passou a ver a difusão deles com uma certa simpatia. Justamente, ele ainda tinha um jogo de críquete em seu saco. Ele o observou com um sorriso e foi embora pela chaminé em direção à casa vizinha.
Pierre de Coubertin.
In: Revue Olympique, 11º ano, dezembro de 1911, pp. 184-186.
Com esse texto, o Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin encerra a Série Especial de Natal, que trouxe ao público brasileiro traduções inéditas de escritos de Coubertin com temática natalina.
Releia o primeiro texto, “Sua Majestade, a Neve“, em https://www.coubertinbrasil.com.br/serie-especial-de-natal-sua-majestade-a-neve-1907/
O segundo texto, “Os Dois Esquiadores“, está disponível em: https://www.coubertinbrasil.com.br/serie-especial-de-natal-os-dois-esquiadores-1910/
Imagem de capa: Fotografia de Coubertin quando criança, colorida digitalmente. Fotografia original de www.olympics.com
