No dia 27 de março de 2020 os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 eram adiados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). A decisão tomada após estudos e negociações entre o Presidente do COI, Thomas Bach, e dirigentes de federações esportivas e Comitês Olímpicos Nacionais deveria cumprir a promessa de que o megaevento fosse realizado até o verão do ano seguinte. E foi.
Quatro anos de preparação de atletas, Comitê Organizador, Comitês Olímpicos Nacionais, familiares, turistas e outros segmentos, não foram o suficiente para que o mundo vencesse a pandemia do novo coronavírus. Foram longos períodos de reflexões e incertezas. Atletas treinando em casa sem a garantia de verem novamente seus treinadores e toda equipe que faz parte da preparação em um Ciclo Olímpico. O medo tomou conta de cada pessoa que estivesse fazendo parte de uma sociedade com índice de contaminação do vírus. Foi neste momento que as pessoas perceberam o quão vulneráveis podem ser se não houver cuidado, responsabilidade e, principalmente, união.
Os Jogos Olímpicos assumiram a responsabilidade de trazer novamente à tona estes valores para a humanidade. Desde o seu princípio histórico, quando Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos, teve a ideia de unir pessoas de todas as cores, classes e culturas no mesmo local para a prática de esportes se ateve em apresentar uma nova maneira de enxergar o mundo: através da igualdade e do respeito.
De acordo com o Barão, o esporte era uma das principais plataformas que proporcionassem os mesmos direitos de competição entre o filho de um rei e o filho de um operário. Mas além disso, os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 protagonizam um período de relações individuais e coletivas: não é surpresa identificar formas de exclusão e desentendimentos políticos que afastam países de uma boa convivência, todavia, é de se esperar que durante o evento exista uma trégua entre os participantes, tal como na Cerimônia de Abertura deste ano, com o desfile de atletas de mais de 200 países para celebrar a coragem e a resiliência de quem permaneceu sonhando em tempos difíceis.
Coubertin atribuía à Cerimônia de Abertura um momento de representação dos Valores Olímpicos e, portanto, deu grande sentido ao momento: “Como se pode imaginar, as “cerimônias” é um dos mais importantes pontos do regulamento [dos Jogos Olímpicos]. Especialmente porque por elas as Olimpíadas se distinguirão de uma simples série de campeonatos mundiais. Têm tal solenidade e cerimonial que não se deve deixar de fora a hora de medir o prestígio de seus títulos nobres. Por outro lado, é necessário evitar a semelhança com um simples desfile e se ater estritamente aos limites da medida e do bom gosto […] Seu papel e seu destino é o de unir no presente o que foi e o que será. São por excelência as festas da juventude, da beleza e da força”. Alguns especialistas, como Nelson Todt, Presidente do Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin, ao comentar sobre as Cerimônias em um material publicado em 2013, explica sobre sua relevância para o Movimento Olímpico: “Trata-se de um ato nos Jogos Olímpicos Modernos, devidamente reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional, em virtude de seu forte viés educacional, sendo capaz de promover os ideais do Olimpismo, em razão de sua magnitude”.
Em 1935 Coubertin resumia em uma rádio o que o papel do Olimpismo e dos Jogos atribuíam às necessidades do ser humano, dizendo: “Celebrar os Jogos Olímpicos é reivindicar uma inspiração da história. Ademais, é a história que pode melhor garantir a paz. Pedir a diversas pessoas a amar umas às outras é mera infantilidade. Pedir-lhes que se respeitem não é Utopia, mas para respeitar uns aos outros é necessário conhecer uns aos outros. História universal pode ser daqui em diante ensinada, levando em conta as exatas proporções seculares e geográficas, é o verdadeiro fundamento da paz”.
É natural em Coubertin explicar a importância da Trégua para os Jogos Olímpicos, sobretudo para a celebração dos novos ‘Olympians’, àqueles que representam o verdadeiro Espírito Olímpico inerente a formação de valores que sempre deve acompanhar o atleta, como disse em uma de suas passagens: “A ideia da trégua é outro elemento essencial do Olimpismo; está estreitamente associada à ideia do ritmo. Os Jogos Olímpicos devem ser celebrados com um ritmo de rigor astronômico, porque constituem a festa quadrienal da primavera humana e honram o advento sucessivo de novas gerações humanas. Por isso, o ritmo deve ser mantido rigorosamente. Hoje, como na antiguidade, uma Olimpíada poderia não ser realizada, se circunstâncias imprevistas viessem a se opor, mas não se pode mudar nem a ordem nem o número”.
Da mesma forma que previa Coubertin, a festa aconteceu. Durante a Cerimônia de Abertura deste 23 de julho de 2021, Tóquio priorizou simbolismos que representassem a força da humanidade em momento de luta. Embora sem público nas arquibancadas, o ato iniciou com uma homenagem aos atletas que se esforçaram para chegar em mais uma edição dos Jogos, com o lema “Unidos pela emoção”. Em meio a fogos e luzes, vídeos de atletas realizando treinamentos em casa apareciam enquanto, no centro do Estádio Olímpico de Tóquio, homens e mulheres encenavam a preparação dos participantes em bicicletas ergométricas. Linhas vermelhas eram expostas e ligadas para evidenciar que, apesar do distanciamento, todos seguem juntos, e Arisa Tsubata, atleta japonesa de boxe que não conseguiu se classificar para os Jogos devido ao cancelamento das seletivas por causa da pandemia, apareceu correndo sozinha em uma esteira.
A Bandeira Olímpica e a do Japão entraram antes da emocionante apresentação do hino nacional japonês. Alguns dos 11.289 atletas de 206 Comitês Olímpicos Nacionais, incluindo a Equipe Olímpica de Refugiados do COI, que competirá nos Jogos, foram recebidos no estádio pelas canções de famosos videogames japoneses durante o Desfile das delegações. À medida que os atletas se acomodavam no campo, artistas de diferentes origens reorganizaram 45 caixas em formato de uma flor. Eles viraram o arranjo do avesso para formar o emblema Tóquio 2020. Então veio o momento em que 1.824 drones aparecem e formam o mesmo emblema, que lentamente subiu acima do estádio para formar o formato de um globo, em alusão a união do planeta terra e a relevância da humanidade para superar os obstáculos. O visor do drone pôde ser visto brilhando no céu noturno de Tóquio.
Para entender o simbolismo de cada momento da abertua, é preciso recorrer à história. Em 7 de março de 1891, o padre dominicano Henri Didon colocou as palavras “Citius, Altius, Fortius” no centro de seu discurso durante uma entrega de prêmios diante da associação desportiva de alunos da “Ecole Albert-le-Grand” por ele dirigida em Archeuil, próximo de Paris. Coubertin, que estava presente, garantiu que o Lema fizesse parte do Movimento Olímpico Moderno. Desta vez, em Tóquio, ele foi exposto novamente, mas com o acréscimo do termo “Communis” (Juntos) em latim, como uma necessidade de solidariedade frente a pandemia.
O Juramento Olímpico também foi atualizado para os Jogos de Tóquio e, pela primeira vez na história, os jurados se reuniram em defesa da inclusão, da igualdade e da não discriminação. Para a ocasião, três duplas masculinas e femininas ficaram responsáveis pelo pronunciamento, com o objetivo de promoção de igualdade de gênero, assim como muitos dos Porta-Bandeiras foram divididos entre as figuras feminina e masculina.
Depois de 121 dias em 47 prefeituras do Japão, a Chama Olímpica chegou ao estádio. Aproximadamente 10.000 pessoas carregaram a Chama em sua jornada e enquanto os portadores da Tocha faziam seu caminho ao redor do estádio para o Caldeirão Olímpico, a atleta do tênis Naomi Osaka recebeu a tarefa de acender o Caldeirão. A estrela do tênis de 23 anos concluiu os procedimentos da noite quando baixou de forma pungente a Chama Olímpica no Caldeirão Olímpico, sinalizando simbolicamente a abertura dos Jogos. Osaka, reconhecendo o poder da mensagem que foi escolhida para transmitir, procurou suas redes sociais para refletir sobre o significado pessoal da ocasião: “Sem dúvida, a maior conquista atlética que terei na vida”. Entre os últimos carregadores da Tocha, estavam um médico e uma enfermeira, representando os profissionais de saúde, e a atleta Paralímpica japonesa Wakako Tsuchida, reforçando a mensagem de inclusão.
Se encaminhando para a parte final da Cerimônia, Thomas Bach ressaltou a mensagem positiva para os Jogos de Tóquio: “É um momento de esperança. Sim, é muito diferente do que todos nós tínhamos imaginado. Mas vamos valorizar este momento porque finalmente estamos todos aqui juntos. Este é o poder unificador do esporte. Esta é a mensagem de solidariedade, a mensagem de paz e a mensagem de resiliência”.