Na última quarta-feira (23), ocorreu a Aula Inicial do curso de Educação Física da Escola de Ciências da Saúde e da vida da PUCRS, organizada em parceria com o Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin (CBPC), com o tema “O Esporte como aliado da Paz em tempos de Guerra”. O evento contou com a participação do Prof. Dr. Cesar Torres (State University of New York) e do Prof. Dr. Otávio Tavares (Universidade Federal do Espírito Santo e Membro do CBPC). A mediação foi do Prof. Dr. Luis Henrique Rolim (PUCRS e Membro do CBPC).
Rolim deu abertura ao bate-papo ressaltando o conflito entre Rússia x Ucrânia, sobretudo utilizando este caso como exemplo para debater a razão de muitos outros conflitos ainda acontecerem no mundo e, ainda assim, não recebem a mesma importância e cobertura pelos órgãos internacionais do esporte. Durante sua fala, o professor da PUCRS trouxe o conflito para o esporte, e mencionou sobre as punições que importantes instituições, com destaque para a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional (COI), vêm dando à Rússia e Bielorrússia, perguntando se o esporte deve ser algo apolítico, de fato. Torres começou seu discurso indagando na mesma direção: “Me parece oportuno começar ressaltando que há mais de 15 conflitos armados internacionais ao redor do mundo acontecendo neste momento, a invasão da Rússia na Ucrânia é um deles. Por que tanta ênfase nesse conflito e não também nesses outros 15? Há um eurocentrismo envolvido?”
Tavares deu continuidade ao questionamento e debateu: “Podemos dizer que há guerras de 1º, 2º e 3º mundo, e um conflito na Europa chama muita atenção, esse é um importante ponto que faz com que prestemos mais atenção nesse contexto. Indiscutivelmente toda guerra é lamentável”. Ainda nesta ótica, Tavares mencionou a Trégua Olímpica que era feita nos Jogos Olímpicos da Antiguidade, onde todos os conflitos entre regiões da Grécia eram paralisados para a disputa justa dos Jogos Olímpicos. No entanto, segundo ele, trazendo para os dias atuais, essa trégua foi ignorada pela Rússia durante a disputa dos Jogos Paralímpicos de Inverno.
Posteriormente, os dois palestrantes defenderam a ideia de que o esporte não é apolítico, fazendo uma menção ao artigo 50 da Carta Olímpica: “De fato, o sistema esportivo nunca foi neutro ou apolítico, o esporte de um modo geral e o esporte Olímpico, em particular, se tornaram um espaço seguro para disputa política, não ameaçando a existência de conflitos”, revela Tavares. Na continuidade, Torres complementa trazendo mais exemplos que aconteceram em outras edições dos Jogos Olímpicos, como em Amsterdam em 1928: “O esporte nunca foi apolítico, o Comitê Olímpico Internacional, depois da 1ª guerra, não convocou os países derrotados a participar dos Jogos Olímpicos de Amsterdam. Os Jogos Olímpicos permitem expressões políticas por fora, impossível fazer um câmbio de postura, o esporte sempre foi político”.
Durante a ocasião foi aberto um espaço para que os ouvintes do evento pudessem realizar perguntas aos convidados. A primeira delas questionava sobre o banimento da participação da Rússia e Bielorrússia, fazendo com que os atletas não exerçam o direito de competir, e se isso mostraria uma mudança de ideais no Movimento Olímpico orientados por Pierre de Coubertin ainda no final do século XIX e início do século XX. Nesse sentido, Tavares retomou o fato de ter mais de 15 conflitos armados e, então, disse que o COI teve seus motivos, uma vez que a Rússia teria quebrado a Trégua Olímpica: “Não se esperam efeitos práticos ao quebrar a trégua, o papel do esporte, a maneira como o esporte reage, simboliza uma hierarquia de importância entre conflitos”, falou o Membro do CBPC.
Em outro momento, os convidados foram questionados sobre alguma relação entre o regime do Apartheid, que ocorreu na África do Sul de 1948 até 1994, já que houve muitas pessoas que foram retiradas à força de seus lares e muitos mortos no processo. Torres respondeu: “Não percebo relação direta entre o Apartheid e o COI, recentemente. Em função de comportamentos da Federação Russa de antigamente, precisa analisar quem são as companhias que principalmente patrocinam o Sistema esportivo internacional? Quais são seus interesses?”
Após as reflexões, levantou-se o questionamento se seria possível alcançar a paz no sentido anti-discriminatório, dando o exemplo do movimento LGBTQIA+ nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 e sobre como seria o impacto dessa relação. Torres dissertou: “A igualdade parece central para uma sociedade pacífica, de maneira que seria muito positivo, para ampliar horizontes, não ter a discriminação de gênero que acontece com algumas esportistas trans que observamos. De tal forma que teríamos um esporte mais inclusivo, seria uma contribuição a um esporte mais pacífico e uma sociedade mais pacífica estando aliado à Filosofia Olímpica. Por isso me atrevo a dizer que estamos, nesse momento, perdendo a oportunidade dialógica de construir relações a partir deste encontro, de conversas com interesses iguais”.
Se encaminhando para o final do evento, Torres reflete sobre o potencial do esporte como ferramenta para o desenvolvimento da paz e de valores em diferentes ambientes, principalmente em situações de crises e conflitos: “[…] o esporte tem o potencial de contribuir a uma sociedade mais pacífica, mas o ‘produzir’ tem que haver planificação, organização, assim tem potencial. Mas sem o planejamento, tende a gerar conflito. O esporte é uma ferramenta de gerar paz, há potencial do esporte em produzir valores para paz, mas tem que ser dirigido por pessoas com a intenção de materializar esses valores. Não basta apenas dar o esporte”. Tavares acrescenta se referindo à fala anteriores: “Quando ele {Torres} usa a palavra ‘potencial’, examina as condições necessárias e suficientes para que o esporte possa ser uma ferramenta que ajude na promoção da paz”.
Ao final, o Prof. Dr. Nelson Todt (PUCRS e Presidente do CBPC) agradeceu a presença de todos os alunos e professores da Universidade no evento, além dos próprios convidados, e ainda fez menção ao Prof. Alberto Reppold Filho, que esteve presente de forma especial na plateia e representa um dos precursores e maiores nomes dos Estudos Olímpicos no Rio Grande do Sul. Na última sexta-feira (25), ele ganhou um lugar na Academia Brasileira de Educação Física e, portanto, teve o merecido reconhecimento também do público do auditório ao receber as palmas e felicitações pelo feito.
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